sábado, outubro 02, 2010


A Mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma

                                       Leonardo Boff*


Sou profundamente a favor da liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso ”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida, me avalisa fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a mídia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de ideias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e xulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem
meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence(p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidente de todos os brasileiros.  Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coronéis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos
nós”, frase tão distorcida por essa mídia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da mídia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de
brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa se fizeram classe média.
Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão social e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituídas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a mídia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocolonial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da mídia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construído com
suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

*teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

terça-feira, setembro 28, 2010

Mesmo extinta, Lei de Imprensa ainda é tema de recursos no STJ

  De acordo com a decisão do STF proferida em abril de 2009 no julgamento da ADPF n. 130/DF, a Lei de Imprensa (Lei n. 5.520/1967) deixou de produzir efeitos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Na falta de lei específica sobre o tema, os magistrados utilizam a legislação civil e a própria Constituição para julgar casos de supostos abusos da liberdade de informação.
Diferentemente da declaração de inconstitucionalidade, a lei pré-constitucional não recepcionada em julgamento de ADPF não está sujeita à regra da modulação temporal de efeitos. É como se ela nunca tivesse existido. Por isso, não cabe ao Judiciário fixar a partir de quando essa lei deixa de valer. Esse é o entendimento adotado no STF.
Apesar de extinta do ordenamento jurídico brasileiro há mais de 20 anos, os dispositivos da Lei de Imprensa ainda são base de muitas decisões judiciais. O destino e tratamento dos recursos nessas ações são, frequentemente, tema de discussão no STJ.
O fundamental para o STJ é evitar que, por um lado, acórdãos impugnados sobrevivam com base na Lei de Imprensa e, por outro, que decisões com outros fundamentos sejam desnecessariamente anuladas. Entre os inúmeros processos em trâmite no STJ que tratam desta lei, a ministra Nancy Andrighi identificou quatro situações, cada uma com solução distinta.
Na primeira hipótese, a lei foi utilizada como fundamento do acórdão, e o recurso discute a aplicação e interpretação da lei. Nesse caso, o STJ tem anulado o acórdão, ainda que sem pedido para isso, e devolvido o processo à origem para que outro acórdão seja proferido, sem a aplicação da lei não recepcionada.
Há processos em que a lei foi aplicada e o recurso pede seu afastamento. Aí a anulação não é necessária. Na maioria dos casos, é possível o julgamento do recurso porque a impossibilidade de aplicação da Lei de Imprensa já foi debatida no processo. Assim, o acórdão é reformado, afastando a norma. É claro que solução diferente poderá ser adotada, em caráter excepcional, em razão das peculiaridades de cada caso.
A terceira situação trata da não aplicação da Lei de Imprensa no acórdão e o recurso pede sua incidência. Nessas hipóteses, em geral, o recurso não é conhecido porque invoca aplicação de lei inválida.
Por fim, a situação mais complexa traz acórdão e recurso com duplo fundamento: na lei civil e na Lei de Imprensa, o que demanda análise caso a caso. Mesmo assim, foram estabelecidos alguns parâmetros. Se o duplo fundamento se referir ao mesmo tema e o recurso tratar apenas da Lei de Imprensa, aplica-se a Súmula n. 283/STF e mantém-se o acórdão. A súmula estabelece que é inadmissível recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Quando o duplo fundamento se refere ao mesmo tema e só a parcela da legislação civil for questionada, o recurso é conhecido para discussão dessa parcela. Mas, se o duplo fundamento trata de temas diversos, aprecia-se a questão caso a caso. O acórdão só será anulado se a aplicação da Lei de Imprensa, devidamente contestada pela parte, comprometer o julgamento por completo devido à manutenção de acórdão fundado em lei não recepcionada. (Com informações do STJ).

Extraído de: Espaço Vital