Caiu no colo do deputado pernambucano Paulo Rubem Santiago (PDT) a relatoria do projeto que cria a lei do Vale-Cultura. Para quem não sabe, o governo vai abrir mão de até 1% do imposto das empresas (só as que declaram lucro real, lucro presumido não vale) para que estas deem como “benefício” 50 reais mensais para que o trabalhador consuma produtos culturais.
Esse assunto não está tão na moda como o pré-sal, mas foram enviadas três perguntinhas por email para Paulo Rubem sobre o projeto. Apesar de ainda estar “mastigando” o tema, o deputado gentilmente se dispôs a compartilhar conosco suas opiniões.
A meu ver, o vale-cultura é positivo por incentivar o consumo cultural no Brasil e injetar um bom dinheiro (o governo fala em R$ 7,2 bilhões/ano) na cadeia produtiva da economia da cultura, gerando empregos formais e renda. Por outro lado, o projeto não parece se preocupar em diferenciar setores que já são autosuficientes daqueles que ainda precisam de um maior apoio do poder público. Em bom português, será que esses 50 reais mensais não vão acabar subsidiando shows de banda de pagode e dupla sertaneja?
Há esse risco sim. Poderemos fazer uma diferenciação pelo valor dos salários pagos aos trabalhadores, para que não se subsidie quem tem salários elevados e já pode pagar pelos produtos que se pretende viabilizar o acesso. Bem, como a escolha é do trabalhador, para evitar o consumo dos produtos mais ligados à mídia, deverá haver mais incentivo à maior circulação de bens culturais oriundos dos sistemas de incentivo já existentes, para evitar que por falta de opção ( p.ex., bons filmes tem exibição curta e em poucas salas, dada a concentração de salas em poucos lugares e nas mãos de poucas exibidoras) o beneficiário do vale cultura não se restrinja aos produtos oferecidos pelos grandes.
Pelo projeto enviado pelo governo, o vale-cultura será entregue pelas empresas a seus funcionários. E como ficam os trabalhadores sem carteira assinada? Pior, como ficam os desempregados?
Esse é outro assunto sério, numa economia com mais de 50% de informalidade. Deveremos encontrar uma fórmula que possa permitir aos que trabalham “por conta própria” a aquisição de ingressos que seriam, para eles, oferecidos diretamente com subsídios. Como fazer para evitar que alguém compre esses ingressos e crie um mercado paralelo é algo a se pensar. Para os desempregados confesso que não temos ainda meios de assegurar seu acesso aos bens culturais pelo vale-cultura. Como seria? Apresentando a carteira de trabalho para comprovar a condição de desempregado?
O vale-cultura, na prática, é uma espécie de subsídio a eventos fechados. Não seria a hora também de discutir a proibição de incentivo fiscais para espetáculos com bilheteria? Tô cansado de ver shows destinado à elite econômica, com ingresso a 150 ou 200 reais, e na propaganda o carimbo “Lei de Incentivo à Cultura”… Palhaçada.
Concordo. Não dá para seguir esse caminho. Seria como o poder público subsidiar um vinho por esse preço para os consumidores de maior renda. Afinal, se poderia dizer que a gastronomia (comer bem) faz parte da qualidade de vida. Vamos reformular a Lei Rouanet. A prioridade deve ser usar dinheiro público para ampliar, regionalizar e democratizar o acesso à produção cultural. Nesse ponto há que ser direto. Um bom espetáculo não é necessariamente aquele que tem a produção mais cara. Há excelentes filmes de baixíssimo orçamento, bons shows sem grandes parafernálias de palco etc e tal. O Estado não tem que seguir os interesses das empresas, quaisquer que sejam seus ramos na produção cultural. O vale-cultura deve ser acompanhado por outros esforços do poder público, inclusive para ampliarmos o acesso, os festivais, as mostras itinerantes, o número de teatros, salas, conchas acústicas, praças etc, meios, também, de circulação cultural. Mas vamos fazer audiências e debates, presenciais e on-line. Já no dia 14 devemos ter o primeiro encontro em Recife. Vamos confirmar mais adiante. Lembro que tramitam na Câmara outros projetos, como a PEC 150, da vinculação de recursos orçamentários para a cultura, o Sistema Nacional de Cultura, o Plano Nacional de Cultura, além da revisão da Rouanet. Pra começar. Obrigado.
Fonte: Acerto de Contas
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