As
nossas ações, as nossas omissões, os nossos caminhos e descaminhos, os alentos e
desalentos, as alegrias das chegadas e as tr
Forte abraço e boa apreciação.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB ¿ RS. Sem apanhamento taquigráfico.) ¿ Sr. Presidente, Srªs. e Srs.
Senadores, um balanço de final de jornada não serve, apenas, para uma visão de
passado. Da travessia percorrida. Ele é presente, porque é um momento em que nos
conferimos, internamente, para saber a quantas andam os registros da
contabilidade da nossa alma.
As
nossas ações, as nossas omissões, os nossos caminhos e descaminhos, os alentos e
desalentos, as alegrias das chegadas istezas das partidas. A vida, enfim,
com todos os nossos créditos e débitos com as pessoas que nos cercam e com o
Criador que nos fez assim, tão próximos da Sua imagem, embora teimemos em
permanecer cada vez mais longe da Sua semelhança.
Os balanços são, também, e principalmente, um
olhar para o futuro. Tempo de correção de rumos. Eu não tenho dúvida de que
avançamos, desde o último natal. No ano passado, o mundo respirava ares da crise
econômica, poluído s pela sanha do lucro.
Como sempre, imaginávamos
que a parte pior desta herança de contas a pagar ficaria conosco, filhos
adotivos da globalização. De repente, percebemos que somos bons alunos, embora
sejam discutíveis as lições e não tão confiáveis os mestres da
internacionalização da economia. Eu ainda não sei se alcançamos boas notas
porque aprendemos alguma lição, ou se, simplesmente, ¿colamos¿ as mesmas
respostas de quem senta próximo de nós na mesa globalizada.
A resposta, o futuro dirá. É preciso,
entretanto, uma reflexão muito ampla e participativa sobre o país que queremos,
ainda neste limiar de novo século e de milênio. Que país queremos e,
principalmente, para quem.
Será o melhor caminho a busca incessante dos primeiros lugares na
economia mundial? Será que a palavra chave é crescimento?
Ou seria desenvolvimento, entendido como
crescimento com distribuição de renda?
Ou, ainda, seria o tal ¿desenvolvimento
sustentável¿, em um mundo tão massacrado pela saga incessante do
lucro?
Até onde vamos nos
contentar com medidas compensatórias para os que não conseguiram ultrapassar o
muro do mercado?
Até onde
distribuir renda vai continuar significando o aumento dos contingentes que
recebem bolsas famílias como uma dádiva, muitas vezes agradecidas aos
céu s?
Até onde o País vai ostentar cadeiras aveludadas
nas reuniões do primeiro mundo, enquanto muitos dos seus ainda mal se acomodam
nas últimas poltronas dentre os países de pior distribuição de renda, aquelas
mesmas nações que os tais mestres da globalização já chamaram de ¿lado escuro do
mundo¿?
Repito: a questão
chave, hoje, neste olhar prospectivo, para o futuro, é: ¿que país queremos?¿.
Tudo o que vier a seguir, será consequência. Que indústria, que agricultura, que
serviços, que tecnologia, que educação, que saúde, que condições de vida terá a
nossa população.
Será que é
bom para o Brasil este índice galopante de urbanização que incha as cidades,
principalmente as de grande e médio portes? Hoje, apenas quinze em cada cem
brasileiros moram no campo. As cidades explodiram em violência, em destruição do
meio ambiente, na deterioração da qualidade da existência humana, nas enchentes
que ceifam vidas, sonhos e futuros.
Será, por exemplo, que a nossa indústria de excelência ainda deverá
permanecer a automobilística, que abarrota as nossas ruas e polui os nossos
ares, ou o país deverá optar por transportes coletivos de melhor qualidade?
Será que o agronegócio é
incompatível com a pequena agricultura familiar?
Será que o que dá retorno financeiro deverá se
concentrar em mãos privadas, deixando o Estado exclusivamente com a população
pobre, deserdada pela loteria da vida?
Será que poderemos permanecer, ainda por muito
tempo, com milhões de brasileiros sobrevivendo da dádiva?
Todas essas questões serão respondidas, quase
que automaticamente, quando definirmos a nossa premissa principal que é, vou
continuar repetindo, ¿que país queremos?¿
É evidente que essa é uma questão cujas
respostas não surgirão a uma virada de ano. E elas não serão visíveis sem as
luzes do passado. E o passado, pelo menos, nos permite um foco sobre ¿que país
não queremos¿.
Infelizmente, se nos debruçarmos sobre a maioria dos nossos discursos,
nesta mesma tribuna, vamos perceber que, principalmente no campo político, eles
foram, na sua grande maioria em 2009, sobre um país que não queremos. Um país de
corrupção, de impunidade, de crise de valores, de persistência da fome e das
filas dos hospitais. Um país onde mais de oitenta por cento da população rural
ainda tem sérias deficiências edu cacionais.
Um
país dividido por uma nova versão, tipicamente brasileira, do muro da
vergonha.
O Senado Federal,
nestes últimos anos, não tem sido, também, uma boa referência para o país que
queremos. As notícias sobre o nosso desempenho têm que refletir a boa política.
Não é o que vem sendo registrado nos nossos balanços anuais. Por pouco, ou por
benevolência dos editores, não passamos dos cadernos de política para os
segmentos policiais.
Mas, essa crise,
alimentada por atos secretos sob tapetes azuis, po r maior e mais deplorável, ainda não é a maior
que atravessa túneis, gabinetes e plenários do Senado. A nossa crise é
existencial, e se reforça pela concentração excessiva do poder nas mãos do
Executivo. Por um federalismo também em crise.
Perdemos espaços legislativos para quem não foi
eleito para fazer leis. Os nossos projetos foram substituídos por medidas
provisórias.
Nesta mesma
concentração de poder, a representação política vale um cargo. Ou a liberação de
uma emenda parlamentar.
Portanto, eu
acr edito que a melhor pista
sobre o país que queremos está, exatamente, no seu contraponto: no país que não
queremos. Aí está, portanto, a importância do conhecimento do passado, para
traçarmos os nossos novos, e melhores, caminhos futuros. Não há como negar
esse passado, se quisermos construir a
nossa melhor travessia. O nosso verdadeiro feliz ano novo.
Mário Quintana dizia, na beleza e na
sensibilidade da sua poesia: "Nós vivemos a temer o futuro, mas é o passado que
nos atropela e mata". Eu diria um passad o que nos condena.
Um passado que construiu a cultura do jeitinho brasileiro, do levar
vantagem, do patrimonialismo, da exclusão, da lei do Talião, do franciscanismo
às avessas, que deturpa o sentido do ¿dando que se recebe¿.
Mas, um passado não só de condenação. Também de
lição.
O país que queremos
deverá ter uma mudança radical de paradigmas. Em primeiro lugar, um país para
todos, de inclusão, onde a dádiva seja substituída pela cidadania. Neste novo
caminho, o Brasil tem um mercado interno equivalente a quase cinco Argentinas.
Há uma demanda enorme a ser saciada. Não pela distribuição benevolente, mas pela
aquisição através do suor de todos os rostos.
Eu poderia até ser pessimista, se não tivéssemos
um dos maiores potenciais de recursos naturais do mundo. O maior rio. A maior
floresta. O maior manancial de água doce. Todos os microclimas. As terras mais
férteis. Os recursos minerais mais estratégicos. Universidades de primeira
grandeza.
Uma
biodiversidade que aguça a sanha do mundo. Um potencial turíst ico de rara beleza. Um povo empreendedor e
criativo.
Mas, o Brasil que
não queremos é predador deste enorme potencial de recursos humanos e naturais.
Como exemplo e como emblema, os rios de lágrimas pelas perdas, muitas
irreparáveis, das enchentes que inundam, hoje, principalmente, o sul e o sudeste
do País.
Vidas que se
perderam sob águas e escombros.
Sonhos que se foram nas enxurradas do cimento das grandes cidades.
Histórias que perderam
registros, levados pelos furacões e tornados que, até pouco tempo atrás, não
faziam parte da nossa meteorologia, nem, consequentemente, da nossa história.
No Rio Grande do Sul, são
quase duzentas cidades em estado de calamidade. No mesmo período do ano passado,
eram quarenta. Quantas serão no próximo ano? E na próxima década? Ora enchentes,
ora grandes períodos de estiagem, numa bipolaridade climática cada vez mais
avassaladora.
O homem
transformou as encostas em favelas. O arvoredo em pasto. O navio em canoa. A
terra em asfalto. A brisa em inversão térmica. A nuvem em chuva ácida.
Nada mais triste que uma
família que vê a sua moradia sendo soterrada ou levada pelas águas. Ainda que
agradecida a Deus pela vida, ela vê serem carregadas todas as suas referências.
O suor, as madrugadas, o frio, a marmita, o álbum de fotografia que não lhe
apaga a história vivida, mas que desfaz a história registrada. As lembranças nas
respectivas épocas. A evolução física dos descendentes e das rugas inevitáveis
dos ascendentes.
Permanece
o enredo, perdem-se os capítulos. Agora, só resta a história lembrada e contada.
A história oral.
A
natureza, portanto, nos dá elementos mais que convincentes do país que não
queremos. E, consequentemente, o bom contraponto: do país que queremos.
As cidades brasileiras já
deram sinais de que não suportam esse grau de urbanização. É preciso buscar
elementos para manter os brasileiros remanescentes no campo e criar condições
para aqueles que querem voltar à vida rural.
Para isso, é preciso incrementar a reforma
agrária, mas sem excessos de ranços ideológ icos.
O Brasil
tem, ainda, muita terra a ser incorporada à produção, e ela está concentrada,
demasiadamente, nas mãos de poucos. O Brasil também tem uma das maiores
disparidades de distribuição fundiária, em todos os continentes.
E esse é o país que não
queremos. O Brasil pode por em prática a sua mística de ¿celeiro do mundo¿. E
esse é o país que queremos.
A pequena produção familiar vai aumentar o cultivo de alimentos. Vai
gerar excedentes. Vai criar empregos. Vai gerar renda. Vai saciar a fome de
milhões de brasileiros que ainda morrem de causas decorrentes da desnutrição.
Vai diminuir a necessidade da dádiva que ainda molda programas de distribuição
de renda. Vai derrubar o muro da exclusão.
No Brasil que queremos, não haverá combate ao
supérfluo, mas a busca pela melhor distribuição do necessário.
Para isso, é preciso que se
incentive a indústria geradora de empregos. Não há que se descartar a tecnologia
de ponta, mas o recurso público, por definição, tem que ser priorizado para a
construção da cidadania. E o trabalho remunerado é a argamassa mais que
consistente desta mesma edificação. A expressão pode ser surrada, mas mantém a
sua importância e atualidade: o trabalho dignifica.
O passado mostra que a indústria que mais gera
empregos é a de pequeno e médio portes. Nada mais coerente, portanto, que os
recursos públicos, que são, por definição, de todos, sejam carreados para estes
empreendimentos que constroem cidadania.
O passado também mostra que o bolo que cresce
nem sempre é bem repartido. No Brasil que queremos serão bem-vindas as grandes
corporações, desde que eventuais incentivos com recurso público gerem efeitos
distributivos de emprego e de renda. Que um de seus principais produtos seja,
também, a cidadania.
Mas,
não há segmento onde são mais nítidos os sinais do país que não queremos, em
contraponto ao país que queremos, que o da Política.
O país que queremos tem o povo nas ruas,
exercitando a verdadeira cidadania. O país que não queremos tem a força bruta,
sobre cascos, atropelando a demo cracia.
As cenas de Brasília,
nestes últimos tempos, são do Brasil que não queremos. O Brasil que descobriu
onde se oculta o dinheiro público que falta nas filas dos hospitais. Que ele se
esconde nas meias verdades. Nos cestos, nos pacotes, nos envelopes. Nos bolsos
de fora e de dentro. Nas roupas mais íntimas. Um Brasil que fecha a porta, enche
a bolsa, não se preocupando, entretanto, com os que permanecem lá fora, na
escuridão do analfabetismo.
O Brasil que queremos não ora, nem agradece a Deus, pela corrupção. Ao
contrário: pede a condenação. A divina e a terrena.
No Brasil que queremos, não haverá impunidade. O
dinheiro público, em todos os níveis, de todas as meias, de todos os bolsos, de
todos os cestos, de todos os envelopes, de todos os pacotes, de todas as bolsas
e de todas as contas numeradas terá que ser devolvido, devidamente corrigido.
Que se prenda, na forma da lei, o
corrupto e o corruptor. Como em qualquer democracia do mundo.
Nos Estados Unidos, por
exemplo, o responsável pela chamada pirâmide financeira que lesou milhões, até
pouco tempo atrás, hoje não veste mais o seu terno bem talhado, de bolsos
fundos, nem as suas meias de grife. Quem sabe nem mesmo nas audiências, quando
enfrenta a justiça que, verdadeiramente, funciona.
A sua rou pa, hoje, é alaranjada, não sei se com bolsos, e ele tem, agora, como
novos ¿clientes¿, os seus companheiros de penitenciária, para quem presta
serviços obrigatórios de lavar talheres e pratos, nas poucas horas em que o sol
lhe aparece redondo.
Não
lhe faltava dinheiro, evidentemente, para pagar os melhores advogados. Prática
comum no país que temos.
Em
alguns países, a descoberta da falcatrua significa o suicídio. Não advogo essa
atitude drástica e derradeira. Eu só lastimo que, aqui, na maioria dos casos,
não ocorre, nem mesmo, o suicídio político.
Ao contrário, são muitos aqueles que se
locupletam com o dinheiro público, com ele se reelegem e com ele contratam as
melhores bancas, para perpetuar a impunidade.
No país que temos, as portas se fecham, para
prender os mais pobres, e os Tribunais se
abrem, para proteger os mais ricos.
No Brasil que queremos, não haverá, talvez, investimento público de
melhor resultado financeiro que a construção de cadeias para corruptos e
corruptores. Elas custariam muito menos que o que se economizará com o fim da
impunidade.
Neste mesmo
Brasil que queremos, essas mesmas prisões teriam prazo de validade, porque finda
impunidade, haverá um tiro de morte na corrupção. No Brasil que temos, elas
seriam, hoje, verdadeiros elefantes brancos, vazias não por ausência de atos
lesivos à população, mas por falta de condenação. Verdadeiros monumentos à
impunidade.
A corrupção
custa, para o país, um número que a estatística também oculta. Que, entretanto,
de tão grande, deixa aparecer alguns dos seus muitos zeros à direita. Dizem
alguns, R$ 30 bilhões. São os ¿otimistas¿. Dizem outros, R$ 100 bilhões. São os
¿pessimistas¿.
Quisera Deus
não precisar ser realista: a média não é, como se sabe, o melhor dos mundos, nem
na própria estatística. A corrupção, no Brasil, seria, entretanto, por essa
mesma média, algo como R$ 65 bilhões. Escrevi por extenso, por medo de me perder
na quantidade de zeros.
Eu
fico imaginando o que poderíamos fazer, no país que queremos, com tanto
dinheiro. Quem sabe, então, a reforma agrária, produzir alimentos, gerar
empregos no pequeno e médio empreendimento industrial, adquirir os materiais
necessários, e dolorosamente em falta, nos hospitais públicos, contratar, e
pagar melhor, os professores. De repente, eu percebo que a corrupção é,
exatamente, a distância entre o país que temos e o país que queremos.
Eu fico imaginando, também,
o que significa um dinheiro público roubado. Isso mesmo, não há expressão
melhor: roubado. Uma infração ao Código Penal. Portanto, um crime. Uma infração
ao sétimo mandamento da Igreja. Portanto, um pecado mortal.
Cada centavo roubado do dinheiro público poderia
significar algo a menos na dor. Nunca é demais lembrar, porque para muitos ainda
é esquecido, o dinheiro público é fruto da alquimia do suor e da lágrima, porque
resulta do trabalho e do esforço do cidadão. Uma alquimia que já atingiu, só
neste ano, mais de um trilhão de reais. Valor pago pelo trabalhador, ou
descontado do seu salário. Sei não, eu desconfio que, com tanto dinheiro, e tão
deficientes serviços públicos, o Brasil que temos está mais para os números
pessimistas, do que para o meu realismo.
Na verdade, eu não consigo, nem mesmo, me
contentar com os números otimistas, pelo menos no país que queremos. Eles
continuam sendo inconcebíveis. No país de todos os nossos sonhos, não teria
lugar a corrupção.
O
dinheiro que, no país que temos, se escoa pelos ralos da corrupção, financiaria
o projeto do país que queremos. Sem aumentar a nossa dívida financeira. Ao
contrário.
Sem as emissões de moeda que geram inflação. Ao
contrário. Sem recorrer a novos impostos. Ao contrário.
Este meu pronunciamento é, na verdade, um aparte
que a sociedade brasileira me concedeu. Porque essa mesma sociedade agora volta
a ocupar as ruas, porque sabe, melhor que ninguém, que este dinheiro da
corrupção, que poderá financiar o país que todos nós queremos, somente estará
disponível se acabarmos, de vez, com a impunidade. A impunidade é incubadora da
corrupção.
Além das ruas, a
população tem as urnas. A atitude individual mais coletiva de todas. O país que
queremos a um toque. Mas, muito tem que ser mudado, também, para que esta
atitude individual do eleitor, que é coletiva, não continue tendo como resultado
ganhos também individuais, só que para o ele ito.
A grande
maioria da população brasileira nem mesmo se lembra em quem votou, na eleição
passada. Nem poderia se lembrar.
Um percentual muito pequeno dos empossados foi eleito com votos
próprios. São tantos e tamanhos os artifícios eleitorais, que o eleitor vota em
um e elege outro. Pior: não necessariamente com os mesmos propósitos.
Como, então, cobrar de
alguém que, mesmo eleito legalmente para fazer as leis, não tem um mandato
legítimo? Não teve votos!
Como cobrar de alguém, a quem se atribui, constitucionalmente, a
função de fazer cumprir essas mesmas leis, se ele foi nomeado muito mais pela
lealdade histórica a quem lhe indicou, do que pelo notório saber jurídico e pela
reputação ilibada?
No
próximo ano, teremos eleições em todos os níveis, com exceção do municipal.
Assim mesmo, com rebatimentos nos municípios, porque muitos prefeitos,
vice-prefeitos e vereadores concorrerão a cargos eletivos, em níveis superiores.
Haverá, portanto, uma
eleição que mexerá, profundamente, no nosso quadro político .
Os
eleitores já são devidamente conhecidos. As urnas são eletrônicas, o que, em
princípio, diminuiu a possibilidade de fraudes, pelo menos naqueles tipos que
campearam em eleições de outros tempos, ou, até mesmo, no nosso anedotário. Se
bem que a fraude tecnológica também pode acontecer a um toque.
Mas, pelo menos, o país
tem, hoje, um quadro bem claro do conjunto dos seus eleitores. Em alguns
municípios, com identificação digital.
Mas, a recíproca não é verdadeira: o eleitor nem
sempre conhece o candidato. Talvez, nem vá conhecê-lo. Ele será ¿vendido¿, como
um sabonete, ou uma pasta de dentes. Pior: como um par de meias. Apelos
subliminares, imagens retocadas através de fotoshops, leituras decoradas de
textos.
Ganha a eleição o
melhor marqueteiro, e não o melhor candidato, aquele que tem as melhores ideias
para construir o país que queremos.
No país que queremos, o candidato deverá se apresentar aos eleitores
ao vivo, sem máscaras, sem scripts decorados, e expor suas ideias e seus
propósitos diretamente, olho no olho, ainda que seja eletronicamente. O eleitor
saberá, com certeza, discernir entre o que é real e o que é teatral. O que é
arte, e o que é vida.
Dos
debates de ideias, ao vivo e sem disfarces, sairá o contraditório. Ao eleitor
caberá decidir por aquele que mais se aproxima das suas aspirações políticas. Da
sua comunidade. Do seu país.
As eleições, assim, serão mais legítimas e, certamente, menos
dispendiosas.
Hoje, não se
candidata quem não tem recursos financeiros vultosos, o que retira, também, a
representatividade do eleito. É quase impossível imaginar um legítimo
representante das classes menos favorecidas. Então, o candidato se submete a
financiadores de campanha privados. Como no ditado popular, os almoços nunca são
grátis, há uma cobrança posterior, sobre o eleito, de retornos ao
¿investimento¿, para que ele priorize iniciativas de interesse do financiador da
sua respectiva campanha.
Não resta dúvida, e as CPIs estão aí para comprovar, os financiamentos
de campanha são a ponta do iceberg da corrupção.
Enganam-se, portanto, aqueles que advogam a tese
de que os financiamentos públicos das eleições seriam um desvio a mais nos
gastos públicos. Que eles se somariam aos números já grandiosos da corrupção.
É verdade, será assim, se
persistir a impunidade. É por isso que o financiamento público tem que ser,
necessariamente, exclusivo e, mesmo que eleito, perde o mandato quem cometer o
menor deslize. Desde, obviamente, que quem deve ¿fazer cumprir as leis¿, o faça,
com a celeridade necessár ia.
As eleições com
financiamento público exclusivo de campanha serão, portanto, mais legítimas,
porque elegerão os reais representantes da população brasileira, em todos os
segmentos sociais e econômicos.
Além disso, no balanço geral, serão mais baratas, porque retira a
possibilidade da versão maligna da oração de São Francisco. ¿É dando que se
recebe¿ volta, portanto, ao seu significado dignificante da solidariedade e do
amor ao próximo. Aliás, sentimentos tão em baixa na representação política do
país que temos.
Essa mesma legitimidade também se reforçará com
o voto distrital. Haverá uma simbiose maior entre o candidato, depois eleito, e
o eleitor. Será muito mais fácil a população aferir a honestidade do eleito,
tanto na destinação do recurso público, quanto na correlação entre as suas
propostas de campanha e a realização efetiva das suas ideias.
A fidelidade partidária deverá ser um
preceito irrevogável. O partido não é um par de meias que se troca, ainda que o
novo tenha canos mais longos. O programa partidário é uma carta de princípios
que não se permuta por conveniências.
Também o partido não pode ser uma organização de aluguel. Todos são
livres para fundar um partido político, porque isso é da vida democrática, mas
para se representar, ele terá que alcançar um mínimo de representatividade
popular. Enfim, o partido terá, também, que ser ¿eleito¿, para ter delegação do
eleitor.
Vem daí as
cláusulas de barreira, na representação política do país que
queremos.
Neste mesmo país
que desejamos, o eleitor saberá que, mesmo antes da exposição pública do
candidato, haverá mecanismos de aferição de sua idoneidade. Ele saberá que, para
estar ali, o candidato terá, necessariamente, ficha limpa. Se eleito, e o poder
lhe corromper, pelo menos não será reincidente .
A vontade do
eleitor será respeitada. Não dormirão nas prateleiras do Parlamento mais de 1,3
milhão de assinaturas no sentido de que os seus representantes votem,
imediatamente, o projeto de iniciativa popular, que impede candidatos a cargos
eletivos que tenham, comprovadamente, ficha suja. Para que seja cortado o mal da
corrupção pela raiz.
Para
que possamos continuar sonhando com o país que queremos, é bem verdade, há que
se formular, ainda, algumas leis. Poucas, em se tratando do ataque os desvios de
dinheiro público. Mas, a impunidade, causa maior da corrupção, não depende
somente de quem elabora leis, mas de quem as faz cumprir.
Repito: a correlação maior se dá entre a
impunidade e quem deveria fazer cumprir as leis. De nada adiantará elaborar
novos dispositivos legais, se eles não forem colocados em prática. O que
aumentaria, ainda mais, a impunidade.
Pouco, ou nada, a reclamar, no país que temos, da Polícia Federal e do
Ministério Público. Muito a mudar nos Parlamentos, na sua função de investigar,
a si próprios e os outros poderes. Muito mais ainda a mudar na ação do
Judiciário, pelo menos na sua função de julgar e, se comprovada a culpa, de
mandar prender quem se locupleta com o dinheiro público. Mandar prender e
determinar, peremptoriamente, que se devolva o dinheiro público desviado das
suas nobres finalidades.
Os
parlamentos sempre foram mais abertos à crítica. Um sinal da democracia. A
imprensa quase sempre não necessita marcar audiências com os parlamentares. Ao
contrário, também quase sempre, é ela a procurada.
No Executivo, nem tanto. Lá, os escalões
inferiores também têm determinados ¿poderes de caneta¿. Exercem suas funções
mais longe da imprensa, que é os olhos do povo.
No Judiciário, menos ainda. A criação do
Conselho Nacional de Justiça trouxe algum controle à atuação dos magistrados,
mas se trata de uma instituição criada de dentro para fora.
Somente nos últimos tempos o noticiário tem
trazido a atuação do Judiciário ao conhecimento da população, seja pela criação
da TV Justiça, seja pelas características mais midiáticas deste ou daquele
Magistrado.
Mas, no Brasil
que queremos, as estatísticas do Judiciário espelharão, com certeza, outros
números. Ou, em alguns casos, pelo menos, um número positivo e, certamente,
superior a zero.
Não é
possível imaginar, por exemplo, que, no país que temos, com tantas e tamanhas
falcatruas com dinheiro público, nenhuma autoridade tenha sido condenada pelo
Supremo Tribunal Federal, o nosso ¿foro privilegiado¿, aliás, uma instituição
que também deverá ser extinta no país que queremos. No país que queremos, as
autoridades terão prioridade no julgamento, no primeiro indício de qualquer
desvio de conduta com o patrimônio público.
Para o STF, como já disse da outra vez, pelo
menos pelos números, não há, até aqui, corruptos, nem corruptores, no Brasil das
autoridades públicas. O noticiário da TV não passaria, então, de meras cenas de
ficção. No máximo, meias verdades. Cestos de notícias falsas. Pacotes de
invenções midiáticas. Envelopes de mera busca por audiência. Bolsas e bolsos de
intrigas políticas.
Na
verdade, o quadro das estatísticas da corrupção, no Brasil que temos, tem como
título principal a impunidade. Se mudar o título, altera o quadro. É esta, a meu
ver, a nossa principal missão, na construção do Brasil que queremos: mudar o
quadro. Imprimir novos paradigmas. Incluir os conterrâneos que ainda estão à
margem do verdadeiro desenvolvimento, entendido como crescimento com
distribuição de renda. Construir novos valores. Fazer valer a justiça. Também
uma justiça igual para todos. Sem impunidade.
Como venho dizendo reiteradamente, tenho poucas
esperanças de que uma mudança de paradigmas, para construir o país que queremos,
possa ser uma iniciativa institucional de dentro para fora. A população de
Brasília está dando sinais, primeiro de que a tolerância atingiu limites
máximos. Segundo, que a indignação pode se transformar em ação.
O avanço da tropa sobre o
povo serviu, apenas, para potencializar, ainda mais, essa mesma indignação. Se o
objetivo era dispersar, atiraram no povo, e acertaram no próprio pé.
Não haverá mudanças a
partir de quem, exatamente, tem que ser mudado.
Por exemplo, como esperar que alguém, com ¿ficha
suja¿, vote a obrigatoriedade da candidatura, apenas, de quem possui ¿ficha
limpa¿, se ele está, constantemente, de olho na reeleição? Seria algo assim como
aproximar o diabo da cruz.
Se não mudarem as regras atuais, é forte a possibilidade de que
persista o mesmo perfil do Parlamento, a partir das próximas eleições. Então,
quem vai mudar essas regras, para que possamos iniciar a construção do país que
queremos?
Eu não tenho
dúvida da necessidade de que a população eleja uma Assembléia Nacional
Constituinte exclusiva para as alterações constitucionais que o país tanto
necessita.
A pr ática tem demonstrado que um parlamentar inicia
a sua campanha à reeleição no momento seguinte à posse.
Inclusive no atendimento, com os olhos no
passado e no futuro, aos interesses dos seus financiadores de campanha. Isso,
além de todas as genuflexões a quem vai decidir sobre a liberação de suas
emendas orçamentárias.
Os
integrantes da Assembléia Nacional Constituinte têm que se colocar fora dessas
pressões e desses comportamentos, até porque eles terão que estar isentos para
mudar essas mesmas regras, sejam elas explícitas ou tácitas.
É possível, ainda, gerar
condições para que a população seja consultada sobre a necessidade, ou não,
desta nova Constituinte, através de um plebiscito. Afinal, a consulta popular é
um ditame da nossa Constituição atual e, certamente, é um mecanismo que não
poderá ser suprimido, jamais.
Eu mesmo tenho vontade política de participar desta Assembléia
Constituinte, desde que, repito, seja eleito para isso, e que ela seja exclusiva
para alterar a nossa Constituição naquilo que nos levará ao país que,
verdadeiramente, queremos.
Como eu também advogo a ideia de que os membros da nova Assembléia
Nacional Constituinte sejam impedidos de seguir, até um tempo ainda a ser
definido, como parlamentares regidos por uma Constituição que eles mesmos
alteraram, me proponho a renunciar ao meu atual mandato, no momento seguinte à
promulgação desta Carta.
Acho que o meu sonho de um país que queremos é, exatamente, o que eu
desejo para o Brasil e o povo brasileiro, a partir do ano novo. Um sonho
possível. O Brasil é uma síntese do projeto do Criador. Com todas as belezas de
um verdadeiro paraíso.
Pena
que, no país que temos, ainda teimemos no cultivo da árvore proibida da
impunidade, na qual se entrelaça a serpente maliciosa da corrupção.
Que este sonho, portanto, se realize no ano que
virá. Teremos eleições em 2010 e serão, exatamente, nove meses para gestarmos os
tais novos paradigmas.
Que
nasça das urnas, enfim, o país que, verdadeiramente, queremos.
Um país com uma imensa mesa
de comunhão. Sem exclusão.
Um país onde não apenas se tenha justiça, mas que se faça justiça. Sem
discriminação.
Daí sim,
teremos um país em que os frutos do suor servirão para fortalecer a verdadeira
cidadania. Sem corrupção.
Um país mais justo, mais humano, mais solidário. Aí sim, um país onde
todos sejam, não só à imagem, mas também à semelhança do Criador.
Era o que eu tinha a dizer.